Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada (BCP), a legislação que disciplina a matéria não elenca o grau de incapacidade para fins de configuração da deficiência, não cabendo ao intérprete da lei a imposição de requisitos mais rígidos do que aqueles previstos para a sua concessão.
Com essa fundamentação, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça acatou parcialmente um recurso para determinar que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) conceda o BPC a uma pessoa que possui comprometimento mental ou intelectual em grau leve. A corte seguiu um posicionamento defendido pelo Ministério Público Federal (MPF).
O BPC é um benefício garantido pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), no valor de um salário mínimo (R$ 1,3 mil). Ele é destinado a pessoas idosas ou com deficiência, impossibilitadas de prover os meios necessários à sua manutenção ou de tê-la provida por sua família.
O caso envolve uma mulher analfabeta que vive em situação de risco social com seus três filhos, residindo todos em uma casa cedida, composta por apenas um cômodo fechado e um espaço de garagem aberto (que é usado como cozinha e fechado por um cobertor, sem banheiro).
A mulher recebe, para fins de sustento, R$ 310 repassados pelo programa Bolsa Família. Seu quadro clínico não permite que ela exerça qualquer tipo de trabalho, levando-se em conta, inclusive, as circunstâncias pessoais relatadas no estudo socioeconômico sobre suas condições.
O INSS havia negado o benefício à mulher sob o fundamento de que sua incapacidade seria parcial.
No entanto, estudo socioeconômico identificou que a mulher não possui condições de se inserir no mercado de trabalho em uma função compatível com seu quadro clínico. Após diversas tentativas negadas de obter o benefício por requerimentos administrativos, a mulher acionou a Justiça em 2014. Em 2019, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) julgou procedente a ação, mas o INSS recorreu pedindo a extinção do processo.
Em 2020, a 10ª Turma do TRF-3 deu provimento ao recurso do INSS, decidindo pela improcedência do pedido da autora. O colegiado considerou que o requisito da deficiência não estava preenchido em virtude de ausência de incapacidade absoluta, entendendo que a deficiência em grau leve, apesar de caracterizar limitação para habilidades acadêmicas, não seria impedimento para o exercício de atividades práticas e não obstruiria a participação plena e efetiva na sociedade.
O MPF, então, entrou com recurso especial, em 2021, contra o acórdão proferido pelo TRF-3. Na ação, o órgão ministerial alegou violação ao artigo 20, §2º, da Loas e ao artigo 2º, §1º, I a III, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois "o caso da autora implica grave barreira à participação social, apesar de ter algum acesso a tratamento médico e uso de medicamentos para sua doença".
Relatora do caso, a ministra Assusete Magalhães lembrou que, para efeito de concessão do benefício, resta evidenciado, no texto normativo, que a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.
"Assim sendo, restando incontroverso nos autos que a parte autora possui deficiência capaz de obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas, devem aos autos retornar ao Tribunal de origem, para que prossiga na análise do recurso de apelação, interposto pelo INSS, especialmente no que se refere à análise do requisito da hipossuficiência, que a autarquia, na apelação, sustentou inexistente e cujo exame o acórdão recorrido não efetuou, por entendê-lo prejudicado, à míngua de prova da deficiência", votou a ministra. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.
Fonte: Conjur
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