De 1999 até hoje, já são 24 anos que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) aplica em todo o Brasil um método de cálculo que acarreta prejuízo a milhares de pessoas. Popularizada na última década, a revisão da vida toda surge para corrigir essa distorção. Permite que o benefício leve em conta todos os valores pagos, inclusive os anteriores ao ano de 1994.
Desde 2019, o INSS foi condenado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) para aplicá-la no país, decisão ratificada três anos depois pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Quando finalmente se garante o tema jurídico, o INSS vem criando dificuldade para colocar em prática, sobretudo para quem tem processo na Justiça, usando a justificativa de que precisa adequar seu sistema de informática. Se na Justiça já existe esta postura, as revisões administrativas seguem totalmente paradas.
Perante os ministros do Supremo Tribunal Federal ou juízes de primeira instância, tem se multiplicado a prática do INSS de criar embaraço em todo o país para evitar ou adiar o aumento proporcionado pela revisão. Os motivos são vários! Os dados do Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais) não são confiáveis e precisam ser validados, falta o trânsito em julgado da decisão ou que o sistema de informática do INSS não foi adaptado para calcular a revisão. O instituto – que passou mais de 20 anos calculando errado em todo o país – agora justifica que tal preocupação é para evitar revisão de benefícios totalmente desiguais, equivocados, incorretos e superestimados.
Várias são as petições do INSS para sensibilizar que o juiz suspenda os processos judiciais com base nesses motivos. É uma prática que se aproxima do ‘jus sperniandi’, expressão jocosa adotada no universo jurídico, aplicada a quem sucumbiu numa ação e enfrenta o inconformismo de aceitá-la.
Ora, se por mais de duas décadas havia possibilidade de aplicar duas regras coexistentes, e o INSS unilateralmente resolveu aplicar uma em detrimento de outra, assumiu o risco de agir assim. Mas é inegável que ele sabia que podia haver interpretação diferente, como de fato ocorreu. Além do risco, o INSS economizou muito ao ignorar uma regra mais vantajosa. Com isso, deixou de fora aposentados que não podem reclamar mais nada, por já ter findado o prazo de dez anos da decadência. Não parece razoável agora, depois de tanta demora e condenações judiciais, a autarquia pedir mais um tempo.
A Advocacia Geral da União, instituição que defende o INSS na justiça, tem uma equipe de contadores de apoio justamente para dar uma retaguarda nos cálculos de quem tem ação na justiça. Nunca é demais lembrar que a revisão da vida toda é uma demanda de exceção, pois a maioria dos aposentados não se enquadram nela.
Portanto, se o INSS não se preparou do ponto de vista tecnológico e/ou operacional para a revisão da vida toda, isso se dá por sua pura desorganização, o que infelizmente é uma característica da autarquia, principalmente nos últimos anos quando a revisão vinha ganhando forma.
Não é demais lembrar que havia determinação legal desde 1999 (art. 29, I e II da Lei 8.213) com previsão de aplicar a regra definitiva prevista na apuração do salário de benefício, evidente desde que mais favorável do que a regra de transição. Assim, a principal lei de benefícios do INSS foi ignorada pela perspectiva de sua execução contábil no âmbito administrativo.
Além disso, o cálculo da revisão da vida toda não é um bicho de sete cabeças. Apesar de o Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais) não ser um primor de perfeição, ele detém rico histórico de salários anteriores e posteriores a 1994. Com essas informações, é possível identificar a revisão para muitos. Precisaria o INSS fazer ajuste no sistema para aproveitar salários remotos, ao invés de somente a partir de julho de 1994.
Mesmo sem o ajuste no sistema de informática, o Instituto já vem fazendo a revisão individualmente em vários processos judiciais, o que esvazia o argumento técnico de que não tem condições. Dessa forma, ao invés de o INSS tentar em cada processo judicial do país tentar convencer os magistrados de paralisarem a revisão da vida toda, deveria se empenhar numa força-tarefa para adequar mais rapidamente o sistema de cálculos, de forma a garantir que este direito finalmente chegue com agilidade a quem se enquadra nesta revisão.
Fonte: Folha de São Paulo
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